quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O MÉDICO CLÍNICO E O PACIENTE


“Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?”

Fernando Pessoa,




O ‘Médico Clínico’ e o ‘Paciente’

Hoje sabemos que a maioria dos médicos adora a morte; por isso que eles só vêem no paciente a sua magnífica obra, a sua condescendência e o seu sustento. O ‘Paciente’, esse ser doente, melancólico e feio, não pode saber de sua moléstia; mas tão somente de seu medo em perguntar ao ‘Clínico’ qual é o seu mal no corpo. O clínico, como todo homem que adquire uma técnica, seja ela a carpintaria, a pintura de quadros surrealistas, a mecânica, só percebe este paciente (homem), como um relógio, isto é, como ferramentas hidráulicas, ponteiros, testes exatos, medições, diagnósticos, enfim, a sua suma é baseada em dados estatísticos que a ciência médica lhe proporciona. 

Não só isso, o médico da técnica não saberia orientar o paciente sequer a tomar um chá para encefalite, ou sequer orientar um homem obeso para uma alimentação equilibrada, isto é, uma dieta feita de forma regular, de modo que seu organismo doente se revigore, a ponto de restabelecer a sua atividade normal. Ou seja, a saúde. A saúde no contexto do médico clínico é estar ‘são’ o corpo, a alma. Um jogo de palavras que contrapõem: estar-o-ser-doente. Levaremos em conta que estes opostos se equivalem; mas para o médico de agora, um é o mal do outro. Foi assim que o médico da técnica aprendera a pensar: contrapondo o bem/mal, a vida/morte, o sim/não, o corpo/alma; além de ladear contra a vida uma infinidade de conceitos vagos para se fazer pensar a sua ciência. Suas idéias sobre anatomia, fisiologia, para cada parte minúscula que compõem o corpo; tais como: uma célula, a formação dos tecidos, é nessa visão, portanto, que se engendra a sabedoria do médico; isto é, no prodígio dos conceitos. Por sua vez, o médico não dá vida a ninguém; e olha que a grande maioria dos médicos é cristã. Contradição! Digo isso porque se a vida é concedida por “Deus”, porque ao médico é dada também a função de dá a vida? Não é isso uma própria negação da Deus? Que podemos dizer do método utilizado pelo médico? Que sua altivez surge a cultivar a obra dos outros, para curar a sua própria doença, que é não saber de nada sobre a vida humana, que é se condensar e aprimorar seu método no-aparecer-do-fenómeno.  Além disso, não sabe ele radicar a sua força contra a sua própria ignorância. Por isso, existem laboriosos especialistas na medicina. Estes especialistas são utilizados para conduzir o leigo médico a erros aproximados. Chegando o Paciente (o suportador de infortúnios, de dores) ao médico especialista, a sua dor tende aumentar, o estado de espírito a se perverter; com isso a sua crença de salvação aumenta, o seu desejo de cura supera o medo da morte e sua memória é reeditada. E olha que o médico ainda, exclama: João, você tenha fé em Deus! Que martírio prolongado. Como as ciências são crentes no que elas mesmas negam. Adoram elevar este pecado até a eternidade. Não saberão eles que estão também pecando? Seria mais simples dizer: João, a sua doença é séria, e você tem uma grande proporção de morrer. Porém, faremos o possível para confutar o seu destino. Você está decidido a se submeter à cirurgia? Isso não é levado a sério! Porque caso fosse muitos “Joãos” não morreriam na esperança, nem também creriam no inevitável. Por isso, no meu ponto de vista, é necessário ensinar as pessoas a suportarem a dor, para que vivam bem. É uma crueldade para o homem negar o que é tão evidente: a dor. Em certas ocasiões, a dor força o espírito a lutar; e a esperança em Deus é vencida pela sua consciência de vida. Mais além, a sua dor superará até o instinto de auto-crueldade que plantaram na sua consciência. E o sofrimento será para nós mesmos o remédio externado em nossa vontade de eternidade. É isto que não aceito: a medicina colocar a dor como o mal do corpo; talvez seja isso a própria loucura, dos que se dizem curadores. Algum exagero nisso?

Vejais amigos, não quero aqui negar a utilidade do médico para o homem; mas sim justificar a insensatez quanto a sua própria ciência. A formação médica incapacita a pensar sobre os seus próprios fundamentos. Com isso cria-se uma comunidade de médicos alimentados somente pelos conceitos, e pelas avaliações técnicas que a empiria proporciona. Seja nos estágios, seja na consumação de doenças específicas de uma dada região. A técnica deveras prejudica a vida, dota o homem de paciente, asfixia o pensar. Quanto mais elaborado o seu laudo, mais inverídico e superficial. Porque há aqui uma distância enorme entre o que o seu lado diz, e o ser-homem-doente. É de pensar que nascido nessa prisão da técnica, resta ao médico, nas indagações de fé, um aposento no reino da física e da química. E olha que a linguagem valida às três ciências. No entanto, a técnica pensada é um fundamento para se autorizar à ciência a objetar valor para si, mas que seja novamente valorada em um novo paciente. Isto é, não podemos utilizar os mesmos métodos, os mesmos princípios para homens distintos. Esta universalidade da ciência invalida a investigação, e condiciona todas as pessoas a descobrirem doenças que não existem. Ai, uma barata!

Gilberto Dilo

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