Na cidade de Manaíra, no alto sertão paraibano, há homens habilidosos na arte de enganar. Quanto a estes, o povo devido a sua fraqueza e falta de estima consigo mesmo, submete-se sem muitas dificuldades a seu soberano, aliás, aos soberanos e aos bajuladores.
Não fosse só isso, o medo de declinar perante às fraquezas da carne, o segredo oculto do aviltamento, a indisciplina e os ganhos da desconfiança faz do povo a ruína dos grandiosos homens. Isto é, o povo por ser a maioria decide soberanamente sobre o futuro da cidade. Mas se o povo decide, ele decide inconsciente de suas escolhas, pois quando não há cultura (educação, defesa de uma história peculiar, sensatez), predomina-se mesmo os interesses de uma elite, que mais sacrifica do que ajuda.
Quem sai perdendo nisso tudo? – Os artistas, os homens de bem, os poetas, os agricultores, isto é, tudo àquilo que esteja distante do espírito corrupto da sociedade manairense. O povo de que falo, deve ser entendido aqui como a classe das pessoas frustadas, tristes e sem coragem de pensar. Por isso, que o povo condena em nome de sua liberdade, faz-se escravo dos governantes, mendiga pelas portas alheias, blasfêmia em nome de seu Deus, condena àqueles que desejam ser “alguém”, praguejam e iludem as crianças. Se o desejo e o bem maior da cidade estiver sempre nas mãos do povo, toda a população estará em perigo. Nada mais necessário hoje do que combater o pai do povo, o deus do povo, o ilusionista do povo: o sr. Demagogo. Foi assim que começou o diálogo entre o Demagogo e o Povo, sobre a arma da ilusão.
Era noite, e a então Vila De “Alagoa Nova”, filha do Bom Sossego, hoje denominada Manaíra, estava nas vésperas de proclamar sua independência, isto é, a iminente emancipação política. No entanto, nem mesmo o alto escalão desta cidade, nascida do escombro histórico de Princesa Isabel, sabia como proclamar sua independência. Não fosse só isso – contam as pessoas mais velhas, que vieram coronéis armados de inteligência, discernimento e acuidade política de Princesa Isabel, e também de Triunfo para ludibriar o povo. Esta história eu irei contar na íntegra, em um livro que certamente publicarei em 2011 (Manaíra sete dias a pé). Mas para se saber como se deu a história dos demagogos em Manaíra, é só observar o que tem o “demagogo personagem” a falar de sua excelência moral: o enganador do povo. Vejamos.
DEMAGOGO: Tempo de festa hoje na vila de “Alagoa Nova”, meu compadre. Os terrenos políticos aqui de Princesa Isabel estão escassos, e as competições árduas e difíceis. Vou para a festa do povo, e do povo tirar o meu sustento, o sustento de meus filhos, e a nossa honra junto a sociedade.
COMPADRE: Compadre, não creio no povo. Mas precisamos nos fazer como eles se quisermos olhar para o futuro com bons olhos. A agricultura e a pecuária não dá mais o sustento que precisamos. Só o governo, que tem muito dinheiro, e o povo sequer imagina de onde vem este dinheiro, dará a gente grandes fortunas. Ah, eu comprei à terra de seu Zé. E você como vai de terra e gado? Seu filho já se formou na capital; agora é doutor meu compadre?
DEMAGOGO: Não compadre. Ele ainda não é doutor. Olhe compadre aí vem um homem do povo – aponta com entusiamo para a sombra que aparece debaixo do pé de angico.
O Demagogo olha para o homem do povo, e começa questioná-lo. Pergunta: como vai sua família, ela está bem? Como vão os seus filhos? Você precisa de alguma ajuda?
O HOMEM DO POVO: Oh, meu bondoso demagogo! Estamos todos bem, obrigado! Mas hoje tem festa na cidade, e precisamos de dinheiro. Se o sr. poder ajudar a gente, ficarei muito agradecido.
O Demagogo olha para o compadre de soslaio, e ironiza com as palavras. Só que o homem do povo é tão bobo, que se deixa levar pelas palavras maldosas do Demagogo.
DEMAGAGO: Ehh, não posso me negar a ajudar um homem tão honesto, tão trabalhador, tão honrado como você, Homem do Povo. Você sabe que nunca faltamos com os homens desta cidade, além do mais quando se trata de suas necessidades, não medimos palavras: só cumprimos o que ofertamos nas promessas. E não adianta dizer que fazemos, é necessário que façamos para o povo, porque depois ele será fiel para conosco. E em troca disso escutando nossas palavras, o povo militante em graça, subitamente entenderá as nossas palavras e nos deixará herdar o trono, isto é, o governo de Manaíra. É verdade o que digo, Homem do Povo?
O Homem do Povo balança à cabeça de forma positiva. Olha para o Demagogo e responde:
HOMEM DO POVO: Quando estamos unidos, dificilmente seremos vencidos. O Demagogo fala com sinceridade. Consoante as suas idéias, o povo decide assegurar no tempo à defesa, para que de nenhuma forma possa ele habitar territórios desabitados e construídos em cima da dificuldade. É bem melhor estar o povo junto daquele que o ouve e o serve. Serve e o aconselha a agir dentro da cidade. Costumo dizer que a liberdade do povo está nas mãos de vocês, ó sr. Demagogo.
DEMAGOGO: Éhh, meu nobre! Estou vendo que você e o restante de sua comunidade aprenderam a ser governados pelos melhores. E não posso lastimar um ser como você, que só me ajuda a engrandecer este povo cada vez mais. Isto é, que de forma precisa condesse o seu orgulho em cima de nossos mandamentos e lições. Você é grato de minha amizade. Por isso, te farei vereador dessa cidade. Quer algo mais?
HOMEM DO POVO: Não, meu nobre! Só quero uma coisa – exclama.
DEMAGOGO: Diga logo homem... Diga.
HOMEM DO POVO: Eu quero que o sr. Explique-me o que é ser um DEMAGOGO.
DEMAGOGO: Oh meu gentil homem, homem trabalhador! Eu não tenho a perspicácia no assunto. Mas acredito que ser Demagogo é ser o amigo do povo, o pai do povo, o ajudante do povo, o padre do povo, em suma, aquele que ajuda de boa fé.
O Homem do Povo satisfeito com a esmola que recebera em dinheiro, e a explicação do Demagogo sobre o conceito de demagogia, se despede e volta para casa. No entanto, no percurso, nas proximidades do sítio Olho D`água, ele tropeça em uma pedra e encontra um envelope lacrado, com o seguinte destinatário: Ao homem Do Povo. O Homem do Povo o abre e encontra escrito o seguinte:
Em alguns casos, provoque discórdia entre o povo e o ensine a assassinar os seus consangüíneos; noutros, se abstenha do povo e concorde com sua idiotice, para que este povo se equipare com seu caráter, no entanto, se alie aos mais sábios da comunidade. Em seguida force-os uns com os outros a lutarem pelos mesmos interesses, e depois faça com que eles se desunam e passem a depender de sua pessoa. Em todo caso, é sábio saber conspirar contra os homens do povo, e em outros saber também se precaver de suas conspirações. Para se conter disso, arme contra o povo o maior perigo: a sua rendição, a sua dependência. Em suma, atacai-o quando ele não estiver esperando. Em última análise ser sempre gentil, mesmo que sua vontade seja a de escravizá-los. Ofício do Demagogo.
Gilberto Dilo
Nenhum comentário:
Postar um comentário