sexta-feira, 12 de março de 2010

O ADIVINHO E O FANTASMA

Na vila de “Pelo Sinal”, um homem de aparência sacrificada vai para a roça plantar alimentos para consumir durante o ano. É nesta prática milenar, a agricultura, que vive o povo desta vila. O povo espera as chuvas durante o fim e o intróito do novo ano, e com isso faz propensões sobre o plantio e a colheita. Com o plantio, doravante o povo fica a mercê das chuvas, e também da estrutura da terra. Se a terra for boa, isto é, com bons nutrientes e atividade para a produção, decerto poucos dias depois do primeiro plantio, talvez este povo já esteja comendo feijão maduro, milho, jerimum, pepino, maxixe, etc.

São esses os desejos do Adivinho: plantar para colher, e depois comer. O trabalho árduo do dia-a-dia é fruto dessa relação: vive-se das decisões do destino; acreditar-se na Deusa Chuva, na técnica do plantio passado de pai para filho; odeia-se todo exagero, isto é, as tempestades, os dias intensos de chuva, as plagas; não é necessário ser civilizado para se saber que tal dia vai chover, ou se os homens são felizes ou infelizes – estes são conceitos que não passam pela cabeça deste homem (o Adivinho). O Adivinho, durante toda a sua vida, quis “ser do nada” – sempre odiou o conhecimento dos livros, a moral, os mandamentos, o comportamento idólatra de alguns homens, exceto uma coisa ele preservava: o seu próprio desconhecimento do mundo. Outra coisa que deixava chateado o Adivinho era o culto aos deuses que não mais existiam, a superstição de algumas pessoas, o discurso enfadonho e perigoso que os políticos inflamavam nas noites escuras de sua vila, além das pessoas preguiçosas que viviam jogando pedra nos homens bons de sua vila e amaldiçoando as mulheres virgens com palavras de ofensas.

Quiçá todas as noites o adivinho ficava contemplando à lua e perguntando-se: Porque esse globo gigante, circular e brilhante vive tão distante de mim e tão próximo, e me faz enxergar o que com os olhos não vejo, posto que sua luz intensa não tenha olhos; mas ela é tão sublime, misteriosa e encantadora que apresenta as coisas como elas não são, e alguns homens, os que se dizem entendidos, acreditam que conhecem tudo através de uma má compreensão do mundo? Poderia ser todas as coisas do mundo, incluído aqui o homem, o maior fantasma afirmado até agora, o nosso hábito e a nossa autodestruição, e com isso até agora só conhecemos o nome lua, o nome homem e a sua representação; ou Melhor nem isso conhecemos, porque só afirmamos? Da mesma forma que me toca à luz da lua, eu fico a me questionar: ficas tão longínqua, por isso só posso te chamar de lua, e nada mais; posto que eu te desconheça, e isso me deixa muito triste por saber que vou dormir em meu casebre esperando a chuva chegar, e os meus filhos sequer conseguem viver a integridade do meu desconhecimento. Por isso, amo-te eternamente, assim como amo os meus filhos, os astros, à terra, à natureza, e tudo que me toca, e me faz sentir por dentro à eternidade. E quando a solidão habita sequer penso em ser triste, ou amargo ou tedioso: é nessa necessidade que me jogo, sem dever, sem medo do perigo; assim, nada mais alegre na minha vida do que o desconhecimento das coisas, e a minha vida simples perante o ser-no-mundo. Não desejo nada mais do que a minha roça, os meus filhos e a minha mulher – Afirmou seguramente o Adivinho. Todavia, algo me deixa inseguro, e triste sempre que fico sozinho e ando devagar em direção a minha roça de madrugada. É porque ando pelo mundo levado a acreditar que só percebo os fantasmas, no sentido perigoso da palavra – “em outro mundo” – vigiando-me dia a dia, refugiando-se na minha alma, e de noite fazem de mim um vale de pensamentos soltos, que quando mais acesos ficam tenho que saciar o meu desejo para não contemplar o meu espírito nas suas aparências.

Desejo alertar aos homens – falou o Adivinho – até agora, com 60 anos, eu não soube desafiar essa força e nem suportá-la em sua intensidade; mas contra isso não uma há fórmula, uma Criação que abnegue o meu sentimento servil dos “desconhecidos fantasmas”, que também de forma tirânica me faz ser fantasma, homem curioso, de pensamentos perigosos e violentos, e de nada adianta a minha velhice se em toda a minha a vida eu não tivesse tolerado a sua presença, e feito da minha vida um grande abismo.

Foi querendo decifrar esse enigma, o Fantasma de meus pensamentos, que me tornei adivinho. Eu estava errado! Quero a minha vida de volta! Volta solidão! Volta vida da roça! Voltem os meus filhos! Ó, meus dias adoráveis e eternos, quantos sentimentos ocultos há sob a vossa duração! E passados sessenta anos, passados os dias de chuva, os dias de sofreguidão, os dias de tempestades perante à vida, eu quero afirmar que tudo pra mim foi um enigma! E diante de todos os enigmas faltou-me algo. E eu, enfim, não pude completar o meu desígnio. Também o que seria o meu desígnio, o meu destino, se eu sou obra desse perene acaso; e nada sou, nem fantasma, nem homem? O que fui então além de um humilde homem que pensava, que chorava, que sentia alegria com os filhos, que sentia prazer em ir pra roça e cuidar dos animais? Você sabe o que fui, grande astro? Ah, nada sabemos! Então não tente adivinhar o que somos! Vivam! Mas de forma que esse fantasma sempre te atormente, grandes adivinhos!

Nós sempre fomos, e seremos atormentados pelos Fantasmas! Estamos condenados a isso. Por que pensamos? Por favor, não queira mais criar outro fantasma na sua vida! Vivam! Vivam! Começou a chover no vilarejo do Adivinho. Ele se recolhe e entra em sua casa. É noite, e chove. Chovem as lágrimas! A vida? A vida? Já é dia: recomece.
Alguém entendeu o Adivinho?


Gilberto Dilo

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